‘Brasil tem de fazer com a indústria o que já fez com o agronegócio’

Diretor da CNI diz que País tem de aproveitar janela de oportunidade com a transição energética

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Foto do author José Maria Tomazela
Entrevista comRafael LucchesiDiretor de Desenvolvimento Industrial e Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

O Brasil tem condições de fazer com a indústria o que fez com o agronegócio, transformado em um dos mais eficientes do mundo. Para isso, basta aproveitar as janelas de oportunidades que surgem em um mundo afetado pelas mudanças climáticas e por questões geopolíticas que opõem comercialmente grandes potências, como Estados Unidos e China.

A análise é do diretor de Desenvolvimento Industrial e Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Rafael Lucchesi. Ao Estadão, ele disse que políticas como as previstas no programa Nova Indústria Brasil, lançado em março pelo governo federal, revolucionaram o agro brasileiro.

“Agora temos de fazer isso com a indústria e o Brasil tem todas as condições para fazer isso com sucesso. Não dependemos de uma combinação de resultados”, disse ele.

Confira a seguir trechos da entrevista:

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O programa Nova Indústria Brasil tem potencial e recursos para fazer a virada na indústria?

A atual política industrial é um ponto de inflexão importante. Nos últimos 40 anos sofremos com a ausência de uma política industrial mais clara, como houve na China. A política NIB (Nova Indústria Brasil) é moderna, mas não deve ser nunca uma política de governo e, sim, uma política de Estado. A continuidade disso cria um círculo virtuoso de desenvolvimento. O Brasil tem uma elevada competitividade no setor agrícola, que foi feito com um case bem-sucedido, onde o governo criou toda uma política de financiamento, que é o Plano Safra. Foi criada há 20 anos com dinheiro público e tributação baixa com subvenção e subsídio. É uma agenda bem-sucedida, mostrando que o Brasil pode mudar uma situação. Partimos de uma situação em que o agro não era tão competitivo, e um conjunto de políticas públicas deu essa competitividade. A atividade industrial representa 25% do PIB brasileiro, a de transformação, 15% (há dados que mostram 10,8%), a agricultura, 7,1%. O mundo está colocando US$ 12 trilhões (R$ 61 trilhões) em política industrial, o Brasil, US$ 60 bilhões (R$ 309 bilhões). (O Nova Indústria Brasil) É um bom ponto de partida, não é suficiente, mas é importante para o Brasil sair do atraso, de uma visão de retrovisor, para o futuro. Estamos fazendo isso simultaneamente com outros países, o que é importante, pois há janelas de oportunidade que podem nos beneficiar.

Quais os principais desafios para a neoindustrialização do País?

O grande desafio do Brasil é qual aposta nós vamos fazer para nosso futuro. Vivemos um momento histórico em que essa decisão é consciente e importante. Se não tem um projeto, o País vai à deriva e isso tem acontecido no Brasil há algum tempo e trazido um enorme retrocesso. Estamos vivendo no mundo mais uma transformação tecnológica, uma revolução industrial e um novo conceito da economia. A cada período da história você tem uma ou duas inovações que transformam toda a cadeia de valor. Lá atrás foi a máquina a vapor. Depois vieram o motor a combustão interna e o motor elétrico, no final do século 19, que deram o desenho das cidades do século 20. A partir dos anos 70 e 80, tem a terceira revolução industrial da microeletrônica e a telecomunicação.

E agora é a era da inteligência artificial?

Agora vivemos a quarta revolução: internet das coisas, big data, inteligência artificial e indústria aditiva (processo como o da impressora 3D) são vetores dessa transformação. Tem também a biotecnologia, que é mais uma rota tecnológica. É nesse processo múltiplo e complexo que temos de fazer nossa escolha.

'Não dependemos de combinação de resultados. Temos condições de voltar a ser um país com mais ambições', diz Lucchesi Foto: Felipe Rau/Estadão

Como a indústria pode capitalizar o grande potencial do País para a economia verde?

O mundo, depois de 200 anos de revolução industrial, está tendo um forte impacto das mudanças climáticas. Os próximos cinco anos serão ainda mais quentes e a velocidade da subida da temperatura média em 1,5 grau vai acontecer cem anos antes do que as previsões antigas. Isso está impactando muito. Fenômenos como o das enchentes no Rio Grande do Sul estão acontecendo no mundo todo e vão ser mais frequentes e com mais intensidade. As teses negacionistas vão ficando para trás à medida que essa realidade, da forma mais dramática possível, impacta o mundo em que vivemos. Isso coloca uma questão muito forte, a transição energética e a ecológica. Nesse cenário, o Brasil se coloca com um grande player. Temos um programa de energia verde em que você tem tanto o álcool como o biocombustível. Tudo isso está pronto para o País fazer, inclusive, a eletromobilidade híbrida. Em vez de pensar em um carro como a Tesla, 100% elétrico, e outras marcas que apostaram na eletromobilidade plena, o carro híbrido, onde você combina motor elétrico com queima de energia de biomassa, é muito mais eficaz em termos de sustentabilidade e a um custo mais barato. Essa rota é muito mais dialogável com o mundo do que a escolha que o Hemisfério Norte tem feito. A parte da energia verde é o grande potencial nosso.

É possível tornar nossa indústria competitiva em um mercado global com barreiras comerciais crescentes?

A forte ascensão da China tem criado uma crescente tensão e Estados Unidos e Europa estão adotando barreiras comerciais fortes contra os produtos chineses, com crescente oposição ao “made in China”. Os Estados Unidos sempre coordenaram essa agenda, mas agora os países centrais estão colocando US$ 12 trilhões em políticas industriais. São seis PIBs brasileiros só em políticas industriais ativas nos EUA, União Europeia, Alemanha, Japão, China e Coreia do Sul.

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Como o Brasil se insere nesse cenário?

Qual é o cenário para nós? Vamos buscar cadeias onde o Brasil tem vantagens competitivas, ou vamos renunciar a isso e empobrecer? Temos um mercado de 200 milhões de habitantes, uma estrutura empresarial e produtiva sofisticada, que apanhou muito nos últimos 40 anos, e nós devemos buscar uma nova agenda para o nosso desenvolvimento industrial se a gente quiser participar disso. Temos também grande capacidade de engenharia e, apesar da estrutura de capital humano heterogênea, temos grandes centros de ciência e educação, e instituições com produção de classe mundial em conhecimento, engenharia e ciência. Temos as condições dadas para buscar uma inserção inteligente nesse processo. Fazer e calibrar as escolhas é a grande questão.

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Com o Nova Indústria Brasil em ação, quais os caminhos que se abrem para a indústria brasileira?

Temos de fazer escolhas estratégicas e ver onde o Brasil apresenta vantagens competitivas interessantes. A reforma tributária acaba tendo efeito sinérgico com a política industrial e isso vai na direção do impulsionamento dessas agendas. Temos o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que dialoga com as seis missões da política industrial, que se conecta com essa agenda estratégica para o País. O agronegócio vai participar mais das cadeias de valor. Por que exportar o algodão e a soja e não exportar a confecção ou a proteína animal? Por que somos grandes produtores de café e os países que têm as melhores marcas de café solúvel não têm um pé de café? Temos de avançar e não é uma panaceia, é um esforço grande da sociedade, mas só dependemos de nós para nos colocarmos como vencedores nas agendas para as quais o Brasil tem vantagens competitivas. Usando linguagem do futebol, não dependemos de combinação de resultados. Temos condições de voltar a ser um país com mais ambições, com uma perspectiva histórica maior. O Brasil pode, à luz das melhores experiências e práticas, se colocar como um player vencedor.

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